Nos projetos e clientes que atendemos nos deparamos com os mais diversos níveis de mindsets e cultura de user experience dentro das empresas. O mercado hoje tem uma clareza muito maior do que já teve um dia quanto a importância de se preocupar com a experiência do usuário, isso é fato.
Vimos de perto a evolução dessa visão ao longo desse tempo em que estamos em contato (direto ou indireto) com empresas de diversos segmentos e regiões. O saldo pode-se dizer que é bastante positivo apesar das resistências e dificuldades que os profissionais encontram ao tentar levar os conceitos de UX para perto das decisões estratégicas (que como sabemos, é onde deveria estar).
A boa notícia é que com a difusão do conceito e da relevância de pensar em soluções centradas nas necessidades do usuário, fica mais fácil trazer essa discussão para as empresas e chegar aos gestores com poder decisório.
Claro que ainda vemos muitas percepções equivocadas sobre o que é o UX na prática, muitos ainda acreditam que “telas bonitas” por si só concretizam uma boa experiência (o que é apenas a ponta do iceberg, como já batemos inúmeras vezes em outros posts), mas também há muita perspectiva de mudança nesse cenário.
A cultura de UX
Quando falamos de uma “cultura”, a definição clássica se refere a um “conjunto de formas, crenças, práticas comuns, regras, normas, códigos e expressões que caracterizam uma determinada sociedade”.
Transpondo o conceito para a cultura empresarial, esta é definida por cada conversação, interação, formato de feedback dado ou critério de evolução que a empresa usa em seu cotidiano.
Para controlar a cultura de uma empresa pode-se escolher quais comportamentos serão encorajados e suportados e quais serão desencorajados. Um fato interessante sobre a criação de uma cultura empresarial é que esta cresce organicamente porém costuma ser ativamente projetada.
A estratégia e a cultura de uma empresa andam lado a lado, ambas direcionadas aos resultados da empresa. A cultura se apoia principalmente em ações conectadas aos valores, práticas e comportamentos das pessoas envolvidas na empresa e é o “COMO” (driving path) percorrer o “CAMINHO” (guiding path) em busca dos resultados.
Especialmente quando se trata de uma cultura de UX e criatividade, ações e não processos são mais eficientes para uma disseminação e sustentação eficiente nas empresas. Existir uma flexibilidade para se movimentar, executar e explorar sem medo, permite que as pessoas desenvolvam soluções e aprendam com suas experiências.
Phil Gilbert da IBM, destaca ainda que os pontos chave de uma cultura consistente de UX é baseado em PESSOAS + PRÁTICAS (e não processos) + AMBIENTES. Em sua palestra “A consistent Culture of Design” ele destaca as diversas ações feitas em cima dos ambientes de trabalho em diversos escritórios da IBM pelo mundo, que acaba por influenciar diretamente as práticas de design dentro da empresa (e consequentemente a sua cultura).
Autoconhecimento e evolução da cultura de UX
Jared Spoon em sua palestra ¨Beyond The UX Tipping Point¨ traça um paralelo entre os estágios do entendimento e consciência sobre UX e a maturidade da empresa no assunto.
O ponto 1) é a “Incompetência inconsciente” (não sabe o quanto não sabe), quando a empresa nem se quer sabe que está errando. Para sair desse ponto e pular para o segundo estágio os envolvidos precisam conseguir diferenciar uma solução de baixa qualidade e alta qualidade [ fase de alfabetização].
No estágio 2) temos a “Incompetência consciente” (sabe o quanto não sabe) onde a empresa já tem noção de seus erros e começa a experimentar práticas vendo que estes conseguem trazer bons resultados. A medida que as boas práticas são repetidas entra-se no estágio 3) de “Competência consciente” (sabe o quanto sabe) [ fase de fluidez ], e aqui é onde se aprende a executar determinada “receita” ou passo a passo para atingir certos resultados.
O 4) passo caracteriza a “Competência inconsciente” (não sabe o quanto sabe) onde é atingido um ponto alto do conhecimento e as soluções passam a ser intuitivas [fase de maestria]. Nesse nível surgem as soluções nunca vistas antes, o processo acontece de forma natural e fluída.
Um ponto importante é que em uma organização, cada time ou setor está em um estágio diferente da maturidade de design e de autoconhecimento.
O esquema de aprendizagem e entendimento do UX reflete diretamente nesse outro esquema abaixo, o dos estágios do UX nas organizações.
Temos os seguintes passos para que uma empresa atinja a maturidade plena e o UX torne-se uma parte de seu core business.
1 Dark ages
Nessa fase, não existe preocupação alguma com UX. Não são feitos esforços ou utilizado recursos para pensar na experiência do usuário. Toda a energia é focada nas necessidades da tecnologia e negócios.
2 Spot UX
Assim como o modelo do Keikendo, uma das primeiras etapas pós “dark ages” é quando acontecem pequenas e pontuais estratégias ligadas ao design e as experiências do usuário.
3 UX como serviço
Nesse ponto a empresa tem um time ou uma guilda de design que atende demandas da empresa. Os projetos são desenvolvidos a partir da demanda pontual interna.
4 UX design embutido
Aqui o nível de maturidade já tornou o UX algo mandatório em todos os projetos, parte indispensável do processo. Cada produto ou job tem seu próprio recurso para a etapa de UX.
5 Infused UX
O último passo para adquiri uma maturidade plena onde a cultura de UX já está estabelecida de forma consistente na empresa é quando TODOS os profissionais possuem conhecimentos e preocupações relacionadas à experiência dos usuários.
A essencial de uma empresa nesse ponto da jornada vai de encontro aquela máxima percebida cada por mais empresas que avançam nesse percursos:
“O UX design tornou-se importante demais para ficar apenas nas mãos do designer”
Formando os influencers internos em UX
O setor de UX de uma empresa não pode ser um departamento isolado ou estar presente em um ou outro cargo espalhado em projetos específicos. As melhores experiências relatadas e de sucesso para o cliente/usuário são aquelas que acontecem ao longo de TODOS os pontos de contato com a empresa. A consistência acontece desde o primeiro acesso ao site, contato com vendedores, atendimento, compra e pós venda em uma boa experiência holística e completa (vale a deixa para conhecer nosso ebook sobre “Como melhor o customer experience e fidelizar clientes“).
Partindo então do ponto que atinge-se o ponto máximo de cultura de UX quando o conhecimento sobre o assunto e a preocupação com a experiência do usuário está espalhada por toda a empresa, temos o conceito de que todos os indivíduos passam a ser “influencers”.
Esses influencers estão em diferentes pontos de evolução da consciência sobre seu estado de UX, aquele primeiro esquema do começo do post.
Jared Spoon diz quem a maturidade da empresa deve ser definida pelo estágio em que se encontra o influenciador mais imaturo.
Com isso fica claro que o grande desafio da implementação de uma cultura de UX de verdade em uma empresa passa a ser a disseminação consistente desses conhecimentos entre os times e áreas.
Para atingir essa disseminação, existe uma série de práticas possíveis que vão desde treinamentos, compartilhamentos, disseminação de conteúdo e também a criação de “sistemas de design” onde fique claro e disponível todas as diretrizes que influenciarão a experiência dos usuários.
Por “sistema” podemos entender não apenas um styleguide, mas uma espécie de “playbook” com os guias de práticas, comportamento, comunicação, estilo que definem e estabelecem diretrizes de como pensar na experiência do usuário em todos os contato com a empresa. Jared comenta que os playbooks são os conjuntos de regra que deixam os “jogadores entrarem em campo” com a confiança necessária para acessar qualquer situação e saber como resolver.
Processos em geral são projetados para funcionar toda vez da mesma forma e por isso geram resultados esperados, já os sistemas são flexíveis e adaptáveis. É importante ressaltar que essas iniciativas ligadas à mudança de cultura tem muito menos a ver com definições rígidas de processo e muito mais relação com mindsets das pessoas, posturas, ações, comportamentos que levarão às iniciativas certas, independente do setor ou do profissional que estiver frente a um desafio.
Mas e na prática, o que pode ser feito para evoluir a cultura de UX na sua empresa?
Existem várias iniciativas que podem impactar no avanço e disseminação da cultura de UX em sua empresa. Algumas diretrizes gerais envolvem:
Trabalhe de forma colaborativa
Discuta ideias e possíveis soluções ou cenários força as pessoas a engajarem em seus trabalhos de forma mais criativa. Em grupos as pessoas não estão apenas aplicando o seus conhecimentos e ideias de forma isolada mas sim buscando e aplicando ativamente a experiência e insights dos outros membros do time.
Integre pessoas de diferentes áreas
A importância de envolver profissionais e perfis diversos em cada desafio é essencial para a criação desse novo mindset. Considerando que o UX é essencialmente uma área multidisciplinar, colocar isso em prática e deixar claro para as pessoas que conhecimentos diversos vindos de diferentes fontes somam consideravelmente à experiência final do cliente faz com que todos estejam no mesmo barco. Dessa forma a missão coletivizada de focar no sucesso do cliente. “Criatividade não é responsabilidade apenas do departamento criativo, é um requisito para todos.”
Envolva os líderes da empresa
É fundamental que os líderes da empresa compram a mesma ideia, se o objetivo é uma cultura voltada para a experiência do usuário, é necessário que os líderes vejam isso como um objetivo comum e que irá trazer ganhos para empresa. Nada adianta o time querer implementar ferramentas e métodos de UX se eles não tiverem apoio para capacitação ou os líderes não acharem relevante destinar um tempo do processo para teste e validação com os usuários.
Apresente resultados
Saiba quais são os indicadores chaves da empresa e crie relações com as atividades e esforços de UX. Sempre falamos que user experience não tem a ver apenas com deixar usuários felizes mas sim também com atender os objetivos de negócio dos stakeholders. Trazer métricas relacionadas ao sucesso do negócio é uma boa forma de mostrar o valor do UX e conquistar gestores quanto a causa.
De acordo com a fase de conhecimento em que se encontra cada organização, abaixo algumas outras sugestões de ações que podem ser feitas em cada ponto:
Fase de Alfabetização (não sabe o quanto não sabe >> sabe o quanto não sabe)
- inicie um programa de teste de usabilidade
- Ensine o time a conduzir testes de usabilidade
- Socialize entre as áreas mapas e jornadas dos usuários
- Inicie um programa de exposição imersiva
- Crie um inventário de UI
Fluência (sabe o quanto não sabe >> sabe o quanto sabe)
- Traga uma segunda opinião cedo o projeto
- Crie um guia de voz e tom
- Crie personas a nível de features
- Adote práticas do lean UX
- Conduza estúdios de design regulares envolvendo diferentes áreas
- Adote mini briefing criativos
Maestria (sabe o quanto sabe >> não sabe o quanto sabe)
- Crie roadmaps temáticos
- Incorpore uma estratégia geral focada no consumidor
- Integre o design de serviço de ponta a ponta
- Integre customer experience com práticas de UX
- Dedique seu time de UX para melhorar os processos de UX
- Elimine os cargos baseados em títulos com ¨UX¨
As ações que mais fazem sentido dependem também de outros aspectos da cultura organizacional interna (além do nível de UX) como nível de rigidez, fluidez da comunicação entre as áreas e políticas internas em geral.
Um caminho comum para boa parte das empresas começa na entrada de consultorias de UX externas ou contratação de profissionais especialistas em UX para ajudar nos primeiros passos da disseminação dessas práticas.
Nessa iniciativa é essencial que crie-se uma expectativa clara para os gestores e envolvidos que profissionais “não UXers” da empresa também deverão se envolver no processo e receber responsabilidades voltadas à experiência dos usuários e clientes.
Por fim…
Empresas como Vimeo, Airbnb, Etsy flickr, Fab, tumblr, Instagram, Pinterest, Square e Kickstarter são alguns exemplos de empresas com co-fundadores designers onde o nível de cultura de UX já nasce no estágio máximo do “Infused”. Mesmo as pessoas mais leigas conseguem perceber quando um produto ou um serviço é pensado para oferecer uma boa experiência em todos pontos de contato.
Paciência e insistência é um ponto chave para que o conceito se espalhe e tome forma já que a medida que se observa resultados e que as pessoas “sintam” as diferenças e os benefícios de ter respostas vindas diretamente daqueles que são os usuários ou clientes, mais recompensador e claro o processo vai ficando.
Outro ponto crítico para o sucesso é sempre direcionar os esforços iniciais para entender como a empresa trabalha atualmente em seus projetos e qual a infraestrutura existente que sempre será particular de cada organização. A partir desse processo de empatia e imersão iniciar as práticas que melhor se adequem em busca dessa evolução, respeitando as limitações e explorando as particularidades da cultura já existente.
Jared em sua palestra fecha com a provocação que para chegar ao topo do que é possível em termos de cultura de UX, “ou você treina as pessoas para que elas conheçam, entendam e absorvam os conceitos de UX, ou você demite todas elas e contrata pessoas que já entendam do assunto”.
Aproveita e dá uma olhada também nosso ebook sobre o assunto!
Veja aqui também a palestra “Beyond The UX Tipping Point” na íntegra.
Webstock ’17: Jared Spool – Beyond The UX Tipping Point from Webstock on Vimeo.
Esse case foi acompanhado e relatado por:
UX Strategist, palestrante, facilitadora e mentora com mais de 15 anos de experiência em UX.