Crescimento é quase sempre uma das principais buscas das empresas de produtos digitais e também a missão de vida de uma startup, onde a regra do update or die é mais forte do que em qualquer outro lugar. Growth hacking, growth marketing, atalhos ou hacks para fazer com que isso aconteça mais rápido surgiram com diversas técnicas para ajudar nessa tarefa.
Quando pensamos em user experience o foco é conectar as esferas de necessidades do ser humano, negócios e tecnologia. Nada mais justo que o UX design contribua também com o crescimento de uma empresa, mesmo porque a expansão é um desejo motivador de inúmeros negócios que procuram inserir UX em seus processos e produtos. De uma forma simplificada “crescer” está relacionado à trazer usuários e clientes para dentro de seu negócio e mantê-los felizes e engajados, para que assim venham a recomendar a solução para outras pessoas, que repetirão esse mesmo ciclo. Em todos esses momentos é possível encantar e envolver como estratégia para potencializar os resultados, e por isso o UX tem muito a contribuir.
O ciclo de vida do produto
As soluções do mercado em geral passam pelo clássico “ciclo de vida do produto”, que começa com a introdução seguida do crescimento, maturidade e declínio. Em cada um desses momentos você pode usar abordagens e estratégias totalmente diferentes no que diz respeito ao marketing, vendas, customer success e UX. Considerando que a experiência do usuário é holística, esta estará de uma forma ou de outra presente em todo momento, seja pensada/projetada de forma consciente ou totalmente aleatória.
A experiência do usuário sempre acontece, mesmo que você não a controle ou se preocupe com ela. Propiciar uma boa experiência, colocar energia e atenção no UX design, é uma oportunidade única de potencializar seus resultados ligados à conquista do coração daqueles que pagam as contas da sua empresa e fazem o negócio ficar de pé.
Se é fato que o usuário SEMPRE vai ter alguma experiência com seu produto ou marca (que pode ir de sofrível à maravilhosa), ignorar ou deixar de lado a preocupação com essa camada é apenas uma forma de desperdiçar uma incrível chance de encantar, seduzir, envolver, engajar ou manter seu cliente/usuário satisfeito ao longo dessa jornada.
O foco do post de hoje é falar sobre a aplicação das técnicas de UX na fase de crescimento de um produto, mas vale ressaltar que muita coisa importante acontece na mente do seu cliente antes de chegar nesse ponto da curva e em todos eles você encontra um mar de oportunidades. Cada um deles apresentam oportunidades de criar gatilhos específicos para aumentar o engajamento com a marca de diversas formas significantes.
O usuário não precisa sempre seguir todos os gatilhos, mas é interessante que existam estes “convites” pelo caminho para evitar que a experiência caia em um beco sem saída onde não há nada para engajar e nenhum oferecimento extra de valor ganho a partir da evolução desse relacionamento. Um exemplo seriam CTAs (call to action) secundários do tipo “talvez outra hora” que requer um comprometimento menor do usuário em relação ao CTA principal, mas que deixa uma porta aberta para o futuro.
Construindo relacionamentos
Tenha em mente que você está construindo uma linda história de amor com seu cliente, então usufrua do máximo de momentos ou “deixas” onde você pode demonstrar o quanto você entende as dores dele e o quanto seu produto pode gerar valor a todo momento. Uma máxima do design de serviço diz também que você não deve criar uma jornada com variações muito contrastantes de boa&má experiência. Se logo após uma experiência WOW você entregar um momento péssimo, a expectativa gerada no passo anterior – por incrível que pareça – vai trazer uma “decepção” muito maior do que se você tivesse entregue um momento “OK” seguido de um ruim. Dessa forma torna-se pouco vantajoso investir para ser “o máximo” apenas em alguns pontos ao invés de tentar equilibrar uma média entre todos eles. O problema é o alto contraste que gera mais frustração, então tente equalizar a experiência emocional que é oferecida para seus clientes.
No ciclo de vida do produto também temos a entrada do produto no mercado em relação aos early adopters (aqueles que tem uma mente mais aberta para novidades e são os primeiros a aderirem novas soluções de mercado) versus mainstream (a grande massa que tende a consumir as soluções quando estas já estão sendo usada por outros clientes e encontram-se seguras e consolidadas).
Entre esses dois trechos temos o “abismo” (ou “the chasm”). Antes de entrar na fase de crescimento – que é quando você atinge a grande massa de consumidores – é importante entender e conhecer o comportamento dos early adopters da fase de introdução do produto e fazer os ajustes necessários na comunicação, marketing principalmente no produto. Assim que você domina, aprende e evolui sua solução com os primeiros clientes, a etapa seguinte do crescimento torna-se mas efetiva. É importante que antes de tentar cruzar o abismo entre early adopters e mainstream (onde grande parte das empresas acaba se perdendo), você construa a reputação da sua marca e itere ao máximo suas ideias originais.
Em busca do crescimento
Vamos começar refletindo sobre uma questão básica: o que é necessário fazer para uma empresa crescer?
A UXMag comenta em seu post que para crescer é preciso adquirir novos usuários, ativar essas pessoas dentro do produto e garantir que eles irão voltar, e o resultado disso tudo em pleno funcionamento é o ganho de muito dinheiro em vendas.
Quanto falamos de startups é importante que todo esse processo seja o mais baixo custo possível, já que o CAC (custo de aquisição de clientes) acaba sendo uma das métricas mais relevantes para o sucesso de novos negócios em fase de expansão. Nesse caso onde o CAC precisa ser baixo a qualquer custo para um crescimento rápido surge o conceito de “growth hacking”. O uso do marketing viral, uma forte capacidade de retenção e entendimento profundo do comportamento dos consumidores (saber a hora certa de cruzar o abismo) são apontados como conhecimentos cruciais para startups em alto crescimento. Além disso pode-se ainda destacar na busca pelo crescimento massivo o uso de canais de baixo custo com marketing espontâneo, campanhas de relações públicas e táticas criativas e modernas de marketing.
Se olharmos para o funil de vendas do marketing, onde você capacita e educa os clientes até o ponto onde eles estão prontos para comprar, facilmente podemos conectar com as práticas do UX design. Sendo a atração, conversão e retenção pontos centrais do crescimento, vamos analisar como o UX poderia interferir positivamente em cada um desse momentos.
O que é o tal do “growth hacking” e “growth marketing”?
Quem criou o termo “growth hacking” foi Sean Ellis em 2010. Essencialmente o conceito fala sobre o processo de adquirir, engajar e reter usuários com um custo relativamente baixo em relação às técnicas tradicionais de marketing utilizando como principais ingredientes hipóteses e experimentos. Quando falamos de growth hacking também nos referimos a uma série de métodos e habilidades ligadas a uma abordagem não convencional de marketing, engenharia e criatividade que é sustentada por muitos dados e experimentações. Essa abordagem permite que os “growth hackers” criem e desenvolvam soluções inovadoras ligadas a problemas de crescimento baseados em um sistema criativo e ousado de tentativas, erros/acertos e mensuração de cada passo para guiar decisões baseadas em números.
Growth hacking é marketing orientado por experimentos. Sean Ellis.
Esse pensamento surgiu da observação de startups em crescimento rápido que utilizavam técnicas e ações de marketing bastante “fora da caixa” e essa ousadia acabava por gerar impactos muito maiores do que os tradicionais.
O pessoal da ACE comenta que “um growth hacker busca compreender como o consumidor se comporta e usa esse conhecimento, juntamente com novas ideias e técnicas, para divulgar e impulsionar a venda e conhecimento de seu produto.”
Sean Ellis também afirma que “a essência do growth hacking é entender o valor que os clientes recebem com um produto ou serviço e se tornar muito bom em expandir a distribuição e amplificação desse valor”
Resumindo, para gerar boas ideias e experimentos ligados ao crescimento é essencial compreender o cliente/usuário para propor ações que consigam gerar engajamento e persuasão sobre a compra, uso ou divulgação do produto / proposta de valor.
O uso de atalhos ou hacks para o crescimento que acaba por contrariar a adesão natural do produto é suportada por um amplo uso de dados e métricas, uso de incentivos ou ações virais e integrações com outros produtos.
Conectando growth hacking com growth UX
É comum que profissionais do growth hacking utilizem o sistema de “métricas piratas” (o AARRR!), bastante conhecida também no universo dos designers nas métricas de UX.
Para cada um desses momentos são geralmente aplicadas várias estratégias de growth e aqui podemos também explorar algumas formas de pensar em crescimento ligadas ao pensamento e processos de UX. E isso sem esquecer, claro, de explorar os pontos chaves do growth hacking: criatividade, hipóteses e métricas.
Aquisição
Na “Aquisição” temos o momento em que o usuário chega e você tem a sua atenção. Exemplo clássico de um “hack” aqui seriam práticas de SEO ou marketing viral que te trazem o tráfego do perfil ideal do clientes.
[Growth UX] O product market fit parte do pré suposto que você encontrou uma DOR e uma AUDIÊNCIA adequados. Se o produto está na fase de adquirir clientes em um mercado em que o fit está claro e adequado, você pode usar os conhecimentos de UX para evidenciar de forma mais enfática o quanto você ENTENDE e resolve essa dor. O momento de aquisição é também o primeiro contato da proposta de valor com o usuário, é como o primeiro “look and feel” de um encontro, portanto certifique-se de entregar a sua melhor primeira impressão e ser muito ATRAENTE. Nas suas comunicações destaque os benefícios que vão diretamente ao encontro das dores previamente mapeadas. Além disso, durante a conversão é possível usar alguns padrões de organização de conteúdo e arquitetura da informação para evidenciar gatilhos que conduzam o usuário por uma trilha atrativa até onde você deseja levá-lo (vide regras clássicas e testadas de conversão em landins pages, por exemplo).
[Ex]
Criatividade: ao passar o mouse na descrição dos serviços salta um player de áudio narrando os benefícios de forma interativa
Hipóteses: as pessoas vão ficar mais sensibilizadas se usarmos um áudio em uma interação humanizada ao invés de textos simples para apresentar os serviços
Métricas: medir o tempo de permanência / engajamento do usuário antes e depois do dessa abordagem
Ativação
Na etapa de “Ativação” é onde ocorre alguma atividade chave que indica que que a visita inicial foi bem sucedida, como a criação de um primeiro cadastro no sistema, por exemplo.
[Growth UX] Aqui você tem uma boa oportunidade de explorar o “a-há moment” ou o “WOW effect”. Considere que você já havia ganho a atenção do usuário, agora você vai mostrar porque veio. A primeira experiência de uso, geralmente ligada ao onboarding no sistema, pode ser hackeada quando você torna essa transição e curva de aprendizado quase que invisível. Faça com que o primeiro acesso seja tão fluído que seu usuário nem perceba as barreiras inerentes ao desconhecimento natural dessa situação. Ou ainda reduza drasticamente o trabalho que começar a popular um produto do zero criando steps de cadastro de forma automática (com importações) ou usando um caminho prático e divertido (como são as primeiras fases de um vídeo game te ensinando a usar os comandos).
[Ex]
Criatividade: fazer um onboarding com ações iniciais necessárias para tornar o sistema “pronto para o uso”, como cadastros essenciais
Hipóteses: se o usuário cadastrar 10 novos itens no sistema tal, existe uma tendência dele não ir embora e desistir após o período de trial
Métricas: análise da taxa de churn X quantidade de itens cadastrados para verificar se a hipótese se comprova
Retenção
No step da “Retenção”, o usuário continua executando alguma ação chave que quando bem sucedida indica que ele está gostando do produto, como por exemplo continuar inserindo dados no sistema ou realizando funcionalidades chaves no sistema.
[Growth UX] A missão nesse ponto é garantir a continuidade de uso e o engajamento. Existe N maneiras de explorar aspectos do UX para gerar um envolvimento. O conhecido “hooked” de Nir Eyal pode ser um caminho interessante nesse ponto do funil, usando o famoso combinado de “gatilho > ação > recompensa > investimento”, que são ótimos criadores de hábitos.
[Ex]
Criatividade: elementos gamificados, como uma barra de progresso ou um feedback efusivo, que mostram o progresso e o sucesso de uso para incentivar o engajamento no sistema
Hipóteses: se o sistema oferecer recompensas atrativas (mesmo que apenas no campo de satisfação emocional), o usuário terá um incentivo a mais para repetir ações. Um feedback espalhafatoso de moedinhas explodindo pela tela cada vez que seu app de economia registra um novo investimento poderia fazer com que ele fizesse essa ação mais vezes.
Métricas: mensurar o antes e depois do “feedback caloroso” para observar se existe um aumento da recorrência dessa ação
Receita
No passo de “Receita”, você é finalmente pago ou contratado, um excelente validador de aprovação com hacks que podem ser sutis como recomendação do plano ideal.
[Growth UX] O UX pode entrar nesse ponto para assegurar que a compra vai acontecer com o mínimo de ruído ou barreiras possível. Exemplos clássicos de carrinho de compras que eliminam outras informações para evitar distrações e deixar o fluxo de compra o mais limpo, claro e objetivo possível. Comunicações direcionadas, amigáveis e humanizadas também poderiam aumentar o “fechamento” do negócio quando bem explorado. O contrário disso, um fechamento ou compra quase que invisível, também seria uma forma de efetivar a venda sem ruídos/barreiras.
[Ex]
Criatividade: um cadastro do cartão de crédito prévio e execução de cobranças sem requerer esforço por parte do usuário pode aumentar a eficiência do processo de compra. Assim como acontece em apps como o Uber ou iFood em que a etapa da compra em si é apenas um dos steps dentro do fluxo natural de interações ou ainda o wallet dos navegadores que salvam o cartão e toda vez que é preciso inserir dados de pagamento, já preenche automaticamente para você
Hipóteses: uma vez registrada as informações de pagamento do usuário, compras em geral passam a ser mais recorrentes e facilitadas
Métricas: observar o comportamento de usuários com cartões salvos X aqueles que precisam preencher os dados a cada compra para criar estratégias de garantir que a maioria cadastre seu cartão previamente (aumentando a fluidez das compras)
Recomendação
E, por fim, temos a “Recomendação” caracterizado pela indicação para outros usuários potenciais, onde encontramos diversos casos de growth hacking na estratégia de “member get member” com áreas internas gamificadas para compartilhamento de convites X recompensas.
[Growth UX] Para aumentar as recomendações as abordagens de UX podem ajudar em várias frentes. Tudo começa com o entendimento dos motivadores de uma indicação, tendo esse entendimento, do que faz ou faria uma pessoa indicar, torna-se mais fácil chegar a uma estratégia assertiva, seja ela recompensa financeira (descontos, bônus) ou recompensas sociais (visibilidade, “moral”, status).
[Ex]
Criatividade: programa de recompensa progressiva por indicação
Hipóteses: a existência de um programa aumenta a taxa de indicação e adesão de novos clientes
Métricas: acompanhar quantos usuários utilizam o recurso de recomendações e quantos desses se tornam clientes
A moral da história é que mesmo quando o usuário percebe a existência de um produto, fazer o cadastro ou a assinatura não é suficiente para que o crescimento aconteça. Você precisa entregar o famoso “WOW effect” para que eles continuem engajados com o produto, permaneçam usando ativamente e assim indique para seus amigos, família e colegas.
Porque faz sentido pensar em “growth UX”?
Olhando para tudo que podemos utilizar do mindset do UX para ajudar na fase growth do ciclo de vida de uma empresa fica claro que a ideia de “UX para crescimento” é um recorte com amplas possibilidades de atuação. O “pensar na experiência do usuário” pode ser explorado em todo e qualquer momento ou ponto de contato entre pessoas e instituições, e essas iniciativas sempre estarão (ou pelo menos deveriam estar) ligadas ao momento atual e objetivo de negócio da empresa.
Dessa forma é natural que possamos também direcionar as estratégias de UX na busca de resultados voltados à expansão e aumento de clientes, e não apenas isso, mas também fazer uso de “hacks”para que esse processo aconteça de forma mais rápida e lean (seguindo os mesmos princípios do growth hacking que consegue explorar atalhos ousados nessa missão).
Assim como o growth hacker, o “UX growth hacker” (por assim dizer) também precisa ter sacadas criativas a partir de hipóteses, pensar em variações e gerar testes para validar suas proposições.
O próprio Sean Ellis, cunhador do termo growth hacking, afirma que “uma das maiores alavancas para um growth hacker é melhorar a experiência do usuário.. a base de um crescimento sustentável é entregar uma experiência valiosa. Uma experiência rica é o que leva à retenção. Sem retenção não existe crescimento”.
Em última instância se considerarmos que o crescimento de uma empresa é essencialmente baseado em aquisição e retenção, uma experiencia engajante levará o usuário a uma experiência encantadora e fará com que os usuários voltem para obter mais ou que queiram compartilhar com seus amigos.
Conclusão, se bolarmos estratégias ousadas para um UX encantador e totalmente “outside the box”, sendo estas guiados por hipóteses criativas e um pensamento data driven para validá-las, podemos, na minha visão, dizer que estamos praticando uma espécie de “growth UX” hacking 🙂
Esse case foi acompanhado e relatado por:
UX Strategist, palestrante, facilitadora e mentora com mais de 15 anos de experiência em UX.